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9 nov. 2021

O incrível caso do lixão instagramável

Maria Raquel Passos Lima

Uma pequena fábula dos nossos tempos. Um belo dia um usuário do instagram descobriu um paradisíaco lago azul, na cidade russa de Novosibirsk. Imediatamente, a água cristalina pareceu o local perfeito para cliques e poses a serem exibidas na rede social. As imagens viralizaram localmente, angariando curiosos em número cada vez maior. 


A profecia se concretizava, o lago tinha realmente uma profunda vocação instagramável. Cada vez mais milhares de pessoas em busca de um cenário perfeito para álbuns de casamento, aspirantes a influencer tentando a sorte da viralização ou mesmo amigos se reuniam no local para partilhar bons momentos e produzir memórias visuais desfrutando daquela bela paisagem. 


No entanto, as aparências podem ser enganadoras e tempos depois veio a descoberta. O incrível lago, apelidado até de “Maldivas siberianas” não passava de uma barragem, em bom brasileirês, um “lixão” de resíduos tóxicos provenientes de uma termelétrica da região. O azul deslumbrante da água é fruto de uma reação química e nele encontram-se óxidos metálicos nocivos à pele e à saúde humana. A popularidade crescente do local levou a Siberian Generating Company a tomar a decisão de fechar as estradas que levam ao lago.


A fábula do lixão instagramável descortina uma característica fundamental da toxicidade que permeia a nossa vida, a invisibilidade. Resíduos tóxicos são produzidos em escala monumental diariamente ao redor de todo o globo pela atividade industrial. Não há indústria sem resíduo. Mas sua característica invisível permite que, assim como os instagrammers do lago tóxico, a gente conviva de boa e  desavisadamente numa íntima relação com eles em nossa vida cotidiana.


A invisibilidade dos resíduos contrasta com a intensa visibilidade a que somos submetidos através de redes sociais como esta. O desejo de exibição, de ser visto e “curtido”, e seu oposto complementar, a curiosidade de ver, de saber e de se deixar influenciar pela imagem do outro formam a estranha receita capaz de gerar situações como a do lixão instagramável. 


Bem mais do que excentricidades ou idiossincrasias de pessoas deslumbradas numa distante cidade russa, vale sublinhar a visibilidade, através do par exibicionista/voyeur, como uma dimensão constitutiva das nossas subjetividades contemporâneas, que “enganchadas” nos aplicativos de interação social via compartilhamento de imagens (e muitos outros dados), tornam-se engrenagens de uma economia próspera e bilionária alimentada pela nossa atenção (e nosso tempo). 

 
Vale dizer, mesmo após a descoberta da toxicidade, os usuários da rede não deixaram de frequentar o lago em busca de imagens potencialmente influenciáveis. Uma pista para entender esse tipo de comportamento é a dimensão “viciante” que atravessa e estrutura nossa relação com redes sociais como o “instagram”, fazendo do desejo de postar e do desejo de checar as atualizações do seu feed “quase um tique”.

Se interessou por essa abordagem das redes sociais? Ela se baseia no livro “Quase um tique: economia da atenção, vigilância e espetáculo em uma rede social”, de Anna Bentes, pesquisadora do medialab UFRJ, que será lançado hoje 09/11 às 17h pela Editora da UFRJ. Para assistir à live de lançamento e saber mais do livro, acesse o canal do youtube da editora.


Se interessou pela vida invisível dos resíduos e quer saber mais sobre o tema? Se inscreva no blog e nos acompanhe nas redes sociais!

As informações do caso do lago tóxico de de Novosibirsk foram retiradas da matéria de Óscar Tévez para o El país Brasil.