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17 fev. 2021

Censura e reciclagem popular no Rio de Janeiro

Maria Raquel Passos Lima

O catador de material reciclável Willen sofreu uma ação de repressão e censura no dia 03 de janeiro de 2019  por parte de policiais militares. O motivo? Uma frase que estampava sua carroça.

Assim como Willen, milhares de pessoas cotidianamente trabalham com a reciclagem coletando materiais descartados nas grandes cidades. Para o exercício dessa atividade, as carroças são instrumentos de trabalho fundamentais, permitindo o deslocamento dos objetos coletados nas vias urbanas.

Há três anos atrás, Willen havia participado do projeto Pimp My Carroça, cujo objetivo é promover o reconhecimento e a valorização do trabalho dessa categoria, ajudando a dar visibilidade aos catadores urbanos através da arte.

Os catadores tem suas carroças reformadas e grafitadas com imagens coloridas e frases que fazem referência à dimensão política que envolve a reciclagem e o contexto do trabalho que realizam.

Willen era um dos cadastrados no Cataki, aplicativo desenvolvido para facilitar o contato entre os catadores e as pessoas que desejam descartar objetos recicláveis.


Idealizado pelo artista paulista Mundano, o projeto do aplicativo ganhou, em 2018, um prêmio internacional de inovação digital, e foi colocado em prática. A ideia do aplicativo surgiu da relação  que Mundano havia estabelecido com os catadores desde a criação do Pimp My carroça, em 2012.

Em 2018, interessada na iniciativa, no seu modo de funcionamento e de que modo ela influía no universo laboral da catação, dei início a uma pesquisa antropológica sobre o Cataki no Rio de Janeiro, no âmbito do Laboratório de Estudos Digitais da UFRJ. Nesse contexto, tomei conhecimento de Willen e entrei em contato com ele por conta da pesquisa. Uma das coisas que me havia chamado a atenção era justamente a sua carroça “pimpada”, característica incomum entre os catadores cariocas.

Willen se orgulhava de sua carroça e a mensagem que a estampava havia se transformado em uma de suas marcas: “Se eu pudesse, reciclaria todos os políticos“.

No início desse ano, ao atender a uma camada do aplicativo e esperar para realizar a coleta, Willen foi abordado por um grupo de policiais, que o enquadraram, pediram documentos e o interpelaram por conta da mensagem da carroça.

Embora a frase não indicasse teor partidário ou qualquer preferência política, a mensagem não agradou aos policiais. Alegando que a afirmação estava “afrontando o governo” e que isso seria  ilegal e proibido – “não pode não” , os PMs o intimidaram insistindo para que a mensagem fosse eliminada: “apaga a frase ou a gente apreende tua carroça”.

Diante da ameaça de perder seu instrumento de trabalho, Willen concordou em retirar a mensagem que estampava sua carroça, e ainda assim, foi levado para a delegacia. Sem antecedentes, foi liberado e, contrariado, pintou de branco a frase grafitada, apagando seu conteúdo.

A ameaça de apreensão de carroças e carrinhos desses trabalhadores é uma constante e reflete uma concepção de gestão criminalizante e antidemocrática por parte das autoridades. Ao utilizarem meios coercitivos para impedirem catadores de trabalhar, não compreendem seu papel na gestão municipal de resíduos e a contribuição socioambiental que oferecem à sociedade e às cidades, coletando resíduos que são encaminhados à cadeia da reciclagem e aumentando a vida útil de aterros.

Os catadores são um meio para a construção de uma política de resíduos inclusiva socialmente, e a reciclagem popular deve ser valorizada, sobretudo diante de um cenário de crise e desemprego.

Para expressar sua indignação, o catador tirou um retrato com uma mordaça ao lado da frase censurada. Ao relatar o caso que vem ganhando repercussão nas redes sociais, o ativista Mundano não se mostra surpreso com a censura a seu trabalho, a considera até mesmo um elogio, e pergunta ao público: qual deveria ser a nova frase da carroça de Willen?

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* Esse texto foi publicado originalmente no site ResiduaLogics (www.residualogics.com) em 13 de janeiro de 2019