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20 jan. 2021

Aprender a olhar : resenha do documentário ‘O jardim da esperança’

Maria Raquel Passos Lima

O Jardim da esperança chega para enriquecer o histórico de documentários produzidos no Brasil em torno da temática do “lixo”, composto pelos filmes Boca de Lixo, de Eduardo Coutinho, Estamira, de Marcos Prado, Lixo Extraordinário, de João Jardim, Karen Harley e Lucy Walker. Em todos eles, é curioso notar, a fotografia está presente e exerce um papel significativo. Seja como estratégia de aproximação e criação de uma relação inicial, como meio de inserção em um universo alheio, ou matéria-prima para a realização de um projeto, as fotos sempre estão em ação. Em O Jardim da esperança, a diretora e fotógrafa Laurence Guenoun leva essa relação além, fazendo do fotografar e da fotografia parte constitutiva da narrativa fílmica.

O documentário se passa em Jardim Gramacho, bairro de Duque de Caxias, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Durante mais de três décadas, o local abrigou um dos maiores aterros de resíduos da América Latina, onde trabalhavam cerca de 1.600 catadores de materiais recicláveis. Em 2012, o aterro foi desativado pelo poder público, medida comemorada pelas autoridades e pela imprensa como uma vitória para a localidade. Um ano após o fechamento do aterro, Laurence Guenoun chega com sua câmera em Jardim Gramacho. Para adentrar e conhecer a realidade dos habitantes do bairro, ela passa sua câmera para as crianças da comunidade, que aprendem a fotografar, e em troca, devolvem sua perspectiva.

As fotografias vão abrindo os caminhos para conhecer as casas das crianças, seus irmãos e irmãs, seus pais, a situação das famílias. Emergem as questões que afligem a comunidade, carência de infraestrutura urbana, saneamento básico, água, luz, ausência de serviços de saúde, de área de lazer, de transporte e segurança. Meninas que cuidam de seus irmãos menores enquanto os pais saem em busca de um bico para ter alguma renda, pais que não conseguem juntar economias para alimentar a família, adolescentes se tornando mães, desemprego para os adultos, falta de perspectiva para os jovens. Como uma triste ironia, descobrimos que o fim do “lixão” ao invés de solução, foi a criação de um problema muito maior, com graves consequências para os moradores da localidade, em sua maioria, ex-catadores.

É possível haver esperança? É nesse momento que as câmeras ganham um papel maior, passando também a protagonizar a cena. Com sensibilidade, Laurence Guenoun, junto com o aparato audiovisual, opera essa mediação. Se para os moradores e lideranças comunitárias as câmeras funcionam como um dispositivo capaz de registrar suas falas e amplificar suas vozes, de dar visibilidade a seus problemas trazendo a possibilidade de que, enfim, possam ser ouvidos. As fotografias, tiradas pelas crianças, exercem o poder de deslocar o olhar, distanciando e, ao mesmo tempo, aproximando a perspectiva, fazendo com que elas, seus parentes, vizinhos – mas nós, espectadores, também – passem a olhar para aquele lugar a partir de outros ângulos, outras lentes.

Como instrumento de esperança, a potência da fotografia e do cinema documentário reside em construir pontes. Criando, de um lado, a oportunidade de dizer, e do outro, a chance de aprender a olhar. É precisamente essa chance o que esse jardim nos oferece.

Veja o teaser do documentário aqui

Conheça o projeto de fotos aqui

Crédito da imagem: Evelyn (15 anos, moradora de Jardim Gramacho)

* Esse texto foi publicado originalmente no site ResiduaLogics (www.residualogics.com) em 31 de agosto de 2015.