A exposição “Recicl@s Muros Invisíveis” esteve pela segunda vez na programação da 6ª edição da Virada Sustentável em São Paulo. Essa exposição foi precursora em levar os catadores de recicláveis e a coleta seletiva ao Museu Brasileiro de Escultura e Ecologia (MUBE).
A proposta trazida pela atividade se utiliza da foto escultura para proporcionar uma troca de olhares entre a coleta seletiva e nós mesmos. As fotos são de uma cooperativa chamada Granja Julieta, situada na região metropolitana de São Paulo e engajada em lutas sociais. As imagens são expostas em tambores químicos reciclados, em 360 graus em uma área aberta.
As imagens expressam o cotidiano dos catadores e evidenciam aspectos como: a organização, formação política e a educação em sentido amplo, que está circunscrita à proposta de economia solidária de cooperação, solidariedade e autogestão.
A visita ao universo dos catadores proporciona a imersão em uma dimensão invisível do “lixo”, apresentando ao espectador uma outra visão sobre como esses objetos passam a (re)existir após o descarte. O objetivo é trazer a reflexão de que consumo e descarte são um processo mútuo que precisa se dar de forma responsável.
A exposição, apresentada inicialmente ao público na Virada Sustentável em 2014, retornou agora na 6ª edição do evento, em formato híbrido. Com fotografias de Ana Paula Leôncio, Deka Carvalho, Karina Búrigo, Rafael Castilho, Moises Patrício e ilustrações de Bruna e Tiê, a exposição imerge no universo fotográfico se apropriando de distintas linguagens para proporcionar essa troca com o espectador. O responsável pela organização da exposição é o artista Max Mu, também curador da exposição. Max e Marília Santos assinam a Produção Executiva e são os gestores do projeto.
Para captar um pouco da exposição, a partir da recepção do público, entrevistamos o jovem estudante Charles Leite, de 24 anos. Instalada no jardim suspenso, a exposição dos catadores foi a última atração que ele visitou, depois de passar por todo o Centro Cultural São Paulo.
Perguntamos então, o que ele entendia por invisibilidade?
“Eu compreendo a invisibilidade como um processo de desumanização que a sociedade pratica sobre determinado grupo social, em múltiplas situações. Essa desumanização é uma das facetas das dinâmicas e das diversas formas de desigualdades sociais nas grandes cidades e metrópoles. Não à toa, a invisibilidade aniquila tanto o reconhecimento social, quanto econômico e isso reflete na criação de direitos para a população invisibilizada.
Acredito ainda que a invisibilidade seja tanto intencional, quanto produzida a partir de uma racionalidade hegemônica, dominante, que pretende cercear as possibilidades de desenvolvimento, em muitos sentidos, desta população. E também parte do imaginário coletivo, sobre a própria desvalorização do indivíduo, com base nos preconceitos de: raça, classe, gênero, regional, escolaridade dentre outros”, enfatizou.
Charles contou que o Instituto onde ele estuda possibilitou uma aproximação com a experiência do trabalho dos catadores, através dos cursos de graduação e de pessoas que pesquisam sobre a temática. Antes disso, ele não fazia ideia da existência de um modo de organização em cooperativas, tampouco, da política nacional de resíduos sólidos, e muito menos de pesquisas científicas sobre o tema. Disse perceber apenas as precárias condições de trabalho, de vida e até mesmo da saúde dessa população.
De toda a exposição, o que mais despertou sua atenção, foi a abordagem da Yara, catadora e uma das expositoras, que o chamou para conversar sobre as suas impressões acerca do que teria visualizado. Para Charles, esse encontro foi interessante, na medida em que, para além contato visual com as obras e imagens, aproximou as pessoas representadas na exposição do público do centro cultural.
“Durante a exposição eu fui tomado pela interação com o público e com os organizadores do evento. E saí de lá mais sensível à realidade de vida dos catadores. No percurso para casa, e ao longo da semana, fiquei pensando e refletindo maneiras de melhorar tanto as condições de trabalho atuais dessa população, quanto caminhos para proporcionar maior visibilidade aos mesmos”, finalizou.
Entrevistamos também Yara, que trabalhou como catadora na cooperativa Granja Julieta e a partir da sua trajetória nos trouxe um pouco do seu olhar sobre a exposição. Ela nos contou que ingressou na catação após o término do ensino médio, tendo em vista a sua subsistência. A cooperativa foi para ela uma oportunidade para se manter, mas sempre teve vontade de trabalhar em um Museu. Ela conta que essa, assim como outras experiências no âmbito artístico, foram parte do caminho para que ela pudesse desenvolver suas aptidões e se encontrar profissionalmente. Hoje, Yara cursa artes visuais no Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU).
Em entrevista ela narrou um pouco de como foi o processo de se ver na exposição:
“Meu olhar para a exposição foi tipo: “nossa, estou no museu. Com a minha foto, com a foto da minha pessoa, isso não teve nada de negativo. Eu estou em uma exposição no MUBE”, enfatizou com entusiasmo.
“Quando eu me tornei expositora foi mais legal ainda, porque eu podia falar. Para mim, a invisibilidade vem antes da profissão, pois, os catadores são majoritariamente negros, mulheres, nordestinos. A invisibilidade vem antes de ser catador; apesar de não ser só os catadores que passam por isso: o porteiro, a faxineira, também passam.”
Yara informou que a cooperativa Granja Julieta fechou em 2020 devido a pandemia, mas que se recorda de muitas coisas de lá, sobretudo, dos aprendizados:
“Era um ambiente com muitas pessoas diferentes, onde uma mãe tinha perdido filhos em um incêndio, haviam pessoas com dependência química, pessoas que quando se alcoolizavam se tornavam outras, e no dia seguinte, faltava ao trabalho pela ressaca moral. No espaço corporativo essas fragilidades não aparecem, não sabemos tanto sobre a vida das pessoas, mas que são importantes para compreender o que está por trás daqueles seres humanos”.
Ao questioná-la sobre como sentia o olhar do outro na exposição, ela conta
“A exposição gera muito estranhamento ao espectador pela forma como é exposta. O primeiro sentimento que tento quebrar é o de dó, de pena. A gente não é sujo e nem nada, todo mundo tem casa, claro que tem pessoas sem nada disso, mas não é um cenário estabelecido. A outra coisa é a ideia de que nós somos pessoas feias. Na cooperativa, os colegas chegavam e falavam tem uma bonita aí. E eu pensava: “é isso, bonita também sofre, mas é por aí que temos que quebrar os paradigmas de que somos, sujos, feios. Somos pessoas como eles”, ressaltou.
E conclui que, o brasileiro, ou melhor, o paulistano que mora perto do MUBE nunca vai achar isso, vai achar que a gente vive na linha da miséria, mas mesmo assim não tem coragem de ajudar, fazer uma caixinha pra ajudar a exposição.
A exposição é uma das inúmeras atividades propostas pela Virada Sustentável, um movimento de mobilização para a sustentabilidade, que organiza o maior festival sobre o tema no Brasil. As atividades são realizadas por meio de parcerias entre organizações da sociedade civil, órgãos públicos, coletivos de cultura, movimentos sociais, equipamentos culturais, empresas, escolas e universidades, entre outros, e tem por objetivo proporcionar uma visão positiva e inspiradora sobre a sustentabilidade e seus diferentes temas para a população, além de reforçar as redes de mudança e impacto social existentes.
Conheça mais sobre a exposição Recicl@s Muros Invisíveis no Instagram: e sobre a virada sustentável.
Crédito das imagens: Charles Leite